Nos dias de hoje, os Mods são uma parte intrínseca da comunidade gamer, tomando um espaço gigantesco dentre os fãs de diversos títulos clássicos como GTA, Skyrim, Dark Souls e muitos outros. Os Mods consistem basicamente de alterações diretamente no código de um jogo, geralmente feitas pelos próprios fãs e jogadores do título, em cima das mecânicas e visuais originais – ou “de fábrica” – que eles apresentavam no seu lançamento.
Após décadas de desenvolvimento e relevância, muitos Mods são o motivo da longevidade de diversos jogos, adicionando campanhas completamente novas, um completo revamp dos gráficos em jogos antigos, ou até mesmo modos de jogos multiplayers completamente únicos – tudo graças à ação da comunidade gamer.
Essas modificações (palavra que originou o termo, derivado da sua tradução em inglês modding), em sua essência, são apenas mais uma forma dos players demonstrarem sua paixão pelos títulos acolhidos, já que os modders – título atribuído aos desenvolvedores que trabalham nessas alterações –, se esforçam para recriar a identidade de um título. As alterações, usualmente, melhoram defeitos inicialmente encontrados, expandindo a quantidade e qualidade do conteúdo original, ou até mesmo adicionando um elemento humorístico aos títulos.
Existem infinitos exemplos dessas alterações que viraram tão icônicas quanto os próprios títulos que modificam, como por exemplo as skins “piratas” do League of Legends, onde pode-se alterar a textura original de campeões para figuras famosas como Naturo, Goku e o Homem-Aranha (https://www.gameskinny.com/llzjf/10-best-looking-league-of-legends-custom-skins), ou até mesmo as clássicas re-skins de Dragões em Elder Scrolls V: Skyrim. Afinal, o que poderia ser mais eletrizante do que batalhar até a morte com o clássico infantil Thomas (sim, o trem mesmo)?
Além da enorme contribuição em cima dos títulos, a comunidade dos Mods é responsável pela criação dos e-sports mais famosos da história dos games, afinal, CS, DotA e League of Legends são todos produtos, tanto diretamente quanto indiretamente, de modificações feitas em títulos já existentes.
A história dos Mods
Assim como os nuggets do McDonalds, as discotecas e o GameBoy, a história dos Mods se consolidou na década de 80, com a popularização dos jogos arcade e o surgimento dos primeiros computadores para o público geral. Em 1983, dois entusiastas americanos com habilidades em programação de jogos, Andrew Johnson e Preston Evans, se aliaram para modificar o jogo Castle Wolfenstein, lançado para um dos primeiros computadores domésticos da história – o Apple II.
Apesar dos 2 programadores já terem modificado gráficos de um título no mesmo software, Dino Eggs, foi apenas em Wolfenstein que mudanças significativas apareceram em um título comercializado. Sob o nome Dead Smurf Software, os programadores desenvolveram o Mod Castle Smurfestein, que contava com modificações nos sons e texturas do jogo, além de uma intro de autoria própria.
Até esse ponto, os Mods eram limitados em suas alterações, além de serem pouco conhecidos pela comunidade em geral. Foi apenas na década seguinte, com o lançamento de Doom (1993), um título que por si só revolucionou o gênero do FPS, que a comunidade dos modders realmente viu seu trabalho florescer e atingir o público Mainstream.
Com a ajuda dos próprios desenvolvedores do jogo, a id Software, Doom possibilitou a maior gama de diversidade entre as modificações feitas pelos seus players através de uma toolkit disponibilizada nos arquivos do jogo, que continha diversos elementos gráficos, informações sobre os níveis do jogo, além de itens. Com essa ferramenta em mãos, os modders finalmente tinham uma tela pronta para ser pintada do seu próprio jeito, e o resultado foi impressionante. Haviam mods que adicionavam armas, mudavam a hud e os levels do jogo, mudavam texturas, e até mesmo criavam novos modos de jogo para o título.
É inegável que, sem a ajuda da id Software e a presença da comunidade de Mods, Doom não seria tão popular e revolucionário quanto foi, e isso talvez mudaria para sempre como o gênero do FPS se desenvolveu ao longo das décadas. Dentre esses Mods, podemos destacar o Brutal Doom, que adicionava animações novas, temas e combate corpo-a-corpo, tudo com o intuito de deixar Doom mais violento do que o jogo original já era.
A tríade dos e-sports
Nas próximas décadas, houve um grande movimento das principais empresas de games para adotar a política da id Software, que vinha acumulando hits com as séries Doom e Quake, para facilitar o modding dos seus jogos. O próximo grande salto da comunidade de Mods veio em 1998, com o lançamento de outro jogo que revolucionou a indústria dos games para sempre: Half-Life.
Considerado por muitos o shooter mais importante da história (https://www.theguardian.com/games/2018/nov/21/half-life-at-20-valve-shooter-sci-fi-horror), o título da Valve teve um grande impacto por si só, revolucionando a narrativa de historia nos videogames além de inovar a movimentação e os controles do player e, por ser feito com uma engine relativamente fácil de ser manipulada (a clássica Source engine), possibilitou que a sua fan-base fosse longe na hora de complementar o trabalho da empresa americana.
Em 1999, apenas um ano depois do lançamento do título original, um mod que pra sempre mudaria a comunidade gamer era lançado em cima de Half-Life. Counter Strike, como foi batizado pelos seus 2 desenvolvedores Jess Cliffe e Minh Le, logo cresceu em popularidade e tornou-se um dos títulos mais baixados no ano, mesmo sendo um Mod. Com o intuito de absorver o talento e as ideias dos 2 programadores, a Valve adquiriu os direitos do Mod em 2000, e continuou desenvolvendo a série de jogos até hoje, consolidando o CS como um dos maiores FPS da história.
A maior parte da comunidade de Mods, até meados dos anos 2000, trabalhava em cima do género de shooters, uma vez que esses títulos foram os primeiros a facilitar a edição dos seus arquivos. Porém, com a chegada de grandes títulos do RTS como Warcraft II (1995) e Starcraft: Brood War (1998), ambos da Blizzard, que continham no seu jogo editores de mapa, logo o mundo dos Mods de RTS começaria a florescer.
Os próximos jogos das franquias da Blizzard contavam com os editores de mapas, porém foi em Warcraft III (2002) que os Mods conseguiram tanto impacto quanto no seu gênero vizinho. Com o lançamento do Mod Defense of the Ancients, em 2003, mais conhecido como DotA, baseado em um custom map de Starcraft “Aeon of Strife”, o gênero de games mais popular do mundo nasceu: o MOBA (ou Multiplayer Online Battle Arena).
DotA foi revolucionário, tanto como um Mod quanto um modo de jogo separado, uma vez que apresentava uma grande mudança em relação ao título original, adicionando novos heróis, novos modos de jogos, mudanças em balanceamento de itens e personagens além de um mapa feito do zero, demonstrando o profissionalismo que o projeto carregava, tal qual um lançamento AAA. Com a popularidade crescente do jogo, outro fato impressionante uma vez que o Mod não tinha divulgação oficial, era apenas uma questão de tempo até que a equipe desenvolvedora do DotA fosse absorvida por alguma empresa maior.
Em 2009, após uma disputa legal entre a Blizzard e a Valve, os direitos de Defense of the Ancients foram adquiridos pela Valve e “IceFrog”, o designer chefe do Mod, foi contratado pela gigante americana para desenvolver a continuação do aclamado modo de jogo novo, que foi lançado em 2013 e, assim como o outro projeto da Valve que já citamos. Hoje em dia, DotA se encontra no topo dos jogos mais jogados do mundo, além de ter se tornado um dos maiores e-sports do mundo, sendo o The International, campeonato organizado anualmente pela Valve, a competição de esportes eletrônicos que melhor premia no mundo, acumulando mais de 40 milhões de dólares na sua prize-pool em 2021.
Ao mesmo tempo em que a Valve se ocupava com a sequência de DotA, uma nova empresa americana acabava de contratar dois dos principais nomes na equipe do Mod de Warcraft a fim de desenvolver o seu próprio MOBA. Futuramente batizada de Riot Games, e com ajuda de Steve “Guinsoo” Feak e Steve “Pendragon” Mescon, League of Legends, um título do mesmo gênero que Dota e com claras inspirações no Mod original foi lançado e, assim como os outros 2 títulos já comentados, tornou-se um sucesso.
Hoje, a Riot tornou-se uma empresa referência na indústria dos games, expandindo as suas produções para o streaming com a sua série, em parceria com a Netflix, Arcane, além do desenvolvimento de outros jogos que compartilham o mesmo universo que o seu título original, como Legends of Runeterra e Ruined King: a League of Legends Story. Hoje, LoL é o jogo mais jogado do planeta, e não podemos negar toda a influência que os modders de Warcraft tiveram em toda a identidade da empresa.
Os Mods nos dias de hoje
Hoje em dia, os Mods ainda são responsáveis pela longevidade de diversos jogos, adicionando um conteúdo quase ilimitado para títulos que deixaram de ser atualizados. Um exemplo é Skyrim, um jogo de 2011 que pouco foi modificado além das suas três expansões lançadas até um ano depois, porém ainda mantém-se vivo pela sua enorme popularidade dentre os modders.
Em 2019, ano de grandes lançamentos no mundo dos games, Skyrim se manteve no topo das charts de views da Twitch, ultrapassando até um dos jogos mais antecipados da história: Red Dead Redemption II, que por si só tem uma grande variedade de Mods e expansões. A popularidade das modificações do título da Bethesda se dão pelo fato do jogo ser facilmente manipulado, uma vez que sua engine é bem acolhedora para programadores se aventurando no game design.
Certas empresas, como a Blizzard e Bethesda, carregam desde os seus primeiros títulos o “DNA” dos Mods, uma vez que grande parte do sucesso da empresa foi a acessibilidade dos seus títulos aos modificadores e desenvolvedores. Títulos da empresa até hoje, como a série de Fallout, trazem ferramentas de modificação bem completas e de fácil acesso, além de serem jogos que são conhecidos pela sua grande gama de Mods.
A verdade é que, com o avanço da tecnologia e acessibilidade de informação, é difícil não ver um jogo com Mods disponíveis, e grande parte desses títulos ainda carregam ferramentas de auxílio para a criação e download de Mods. A modificação de jogos é uma cultura que se iniciou nos anos 80 e apenas trouxe aspectos positivos para a comunidade em geral, tornando-se um dos pilares do mundo gamer e ajudando os e-sports a se desenvolverem cada vez mais.