A ascensão e queda de Diablo

A ascensão e queda de Diablo

 

As feiras de jogos, geralmente organizadas pelas grandes desenvolvedoras e distribuidoras da indústria, vêm ao longo dos anos (especialmente nesta década) ganhando mais espaço, importância e número de visualizações. Hoje, a principal maneira dos grandes nomes divulgarem seus projetos e jogos novos é através das diversas feiras durante o ano, como a BlizzCon, E3, State of Play e Nintendo Direct. Se você é uma pessoa antenada no mundo dos games, muito provavelmente irá assistir pelo simples motivo de ser a principal (e primeira) oportunidade de saber mais sobre o jogo que você tanto espera lançar.

Para muitos viewers, a BlizzCon, feira organizada pela gigante da indústria Blizzard e que cobre exclusivamente os seus próprios lançamentos, de 2019 foi um evento que será lembrado por décadas a fio. Além de anúncios de peso como o antecipadíssimo Overwatch 2 e a mais nova expansão de World of Warcraft, pode-se dizer que a terra (no mínimo) girou mais devagar quando o título “Diablo IV” foi anunciado pela primeira vez no telão da feira. A série, que já contava com mais de uma década sem um novo título, encontrava-se novamente no topo da mídia e hype no mundo dos games. 

Uma multidão enfurecida de fãs (assim como eu), ansiosos para a nova leitura preparada pela blizzard de um dos seus maiores sucessos,  teve sua esperança alimentada com diversos teasers, trailers e gameplays ao longo desses 4 anos. Em junho de 2023, finalmente, a espera acabou, e a gigante não podia ficar mais feliz com o lançamento: Diablo IV quebrou o recorde de vendas da empresa, atingindo a diabólica marca de 666 milhões de dólares arrecadados em menos de uma semana do seu lançamento, um dos maiores lançamentos vistos no mundo dos games na história.

A criação de um clássico

Como uma das franquias mais populares de jogos na história, Diablo tem uma grande reputação a zelar. O seu primeiro título, lançado em 1996, é considerado por muitos o fundador do gênero de Action Role Playing Game (ou A-RPG), e sua influência em outros títulos badalados como Hogwarts Legacy, Cyberpunk 2077 e Code Vein é bastante nítida. Diablo ocupa uma prateleira exclusiva no mundo dos jogos, assim como Half-Life, Dune II e Street Fighter, e nem sempre essa notoriedade joga a seu favor.

De maneira surpreendente, a Blizzard conseguiu manter o nível de excelência do primeiro título da franquia no seu sucessor. Diablo II: Resurrected (2000), considerado por muitos da “velha guarda”dos games como o melhor jogo de RPG já feito, repetiu o sucesso do primeiro título e, como qualquer sequência de sucesso, conseguiu alavancar o que tornou o primeiro jogo uma experiência tão boa.

A atmosfera sombria e pouco convidativa, variedade de habilidades, liberdade de customização do seu personagem, rejogabilidade e sua elaborada história são apenas alguns dos pontos que tornaram os dois primeiros jogos da franquia tão bem sucedidos. Apesar dos jogos serem bastante velhos, um playthrough de Diablo promete experiencias raramente proporcionadas em qualquer outro jogo no mercado. Pessoalmente, mesmo jogando a campanha inteira do lado do meu pai, o primeiro título da franquia rendeu uma luz acesa no corredor por diversos meses na hora de dormir.

A ovelha negra da família

Foi apenas 12 anos depois que a comunidade pode experimentar (supostamente) tudo de novo, com Diablo III oficialmente chegando aos consoles e computadores em 2012. O seu lançamento, porém, foi bastante diferente do esperado. Um comentário no subreddit do jogo resume bem o gosto que Diablo III deixou na boca dos jogadores que adquiriram o título nos seus primeiros dias:

O lançamento inicial foi um pesadelo, a Blizzard meio que subestimou seu próprio hype e os servidores não estavam absolutamente preparados para a carga que veio quando o jogo foi lançado. Milhões de pessoas tentaram fazer login ao mesmo tempo e tudo travou. Muitas pessoas estavam tendo problemas de 'erro 37' e não conseguiam se conectar. 

Com as primeiras horas desastrosas, a Blizzard rapidamente direcionou seus esforços para a estabilização dos servidores do jogo (que não podia ser jogado offline), e logo depois os diversos problemas do títulos começaram a aparecer e se destacar em meio aos aspectos divertidos do jogo. A mudança do estilo de arte, fugindo um pouco do tema sombrio e diabólico que os dois primeiros jogos carregavam, para uma animação mais cartunesca nos moldes de World of Warcraft, aliados com um sistema de grind pouco recompensador/tedioso e uma história bem abaixo dos seus predecessores causaram uma péssima impressão do terceiro jogo dentre os fãs da série.

O grande símbolo do desastre que foi o lançamento de Diablo III foi, sem dúvida, a existência das Auction House (ou casa de ações), que permitiam aos jogadores pagar dinheiro real por itens adquiridos ao longo da sua jornada. A capacidade de trocar itens entre jogadores, aliado ao clássico aspecto de grind presente em todos os grandes títulos de RPGs, criou juntamente com a comunidade de Diablo e Diablo II um mercado paralelo para a compra de itens, sujeito a golpes e manipulação de preços. 

A mecânica, que surgiu como uma solução para um problema existente nos jogos anteriores da série, causou bastante revolta dentre a comunidade do jogo, uma vez que a Blizzard havia sido recentemente adquirida pela EA, e logo nos vimos imaginando se cultura da empresa rapidamente absorveria a obsessão por microtransações que os novos chefes já defendiam nos seus jogos. 

Apesar de todos os contrapontos, o suporte contínuo da Blizzard através do sistema de season e as diversas expansões, em conjunto com diversas correções nas mecânicas base do jogo e balanceamentos ao longo da vida útil do jogo conseguiram transformar Diablo III em um dos 20 jogos eletrônicos mais vendidos da história. A história de superação (coisa que todos amamos) foi um grande testamento da grandeza da Blizzard como desenvolvedora de jogos, além de mostrar como a série cultiva carinho dentre sua base de jogadores. 

Hoje, o terceiro título da franquia conta com opiniões mistas dentre sua comunidade, tanto negativas quanto positivas e, em geral, não sendo um jogo tão consensualmente bom quanto seus precessores. Vamos deixar abaixo uma matéria  da Gamespot (infelizmente em inglês) que detalha melhor como esse processo de revitalização do jogo foi feito ao longo dos anos.

As cicatrizes do quarto filho

Finalmente podemos falar de Diablo IV e, antes de mais nada, deixemos as cartas na mesa afirmando que o quarto título da franquia é sim um bom jogo. Com um release bem mais estável que o anterior, sem o foco em microtransações e retornando o jogo a estética mais claustrofóbica e sombria dos primeiros títulos, fãs antigos da série viram com bons olhos o retorno ao mundo de Sanctuary. Porém, novamente as falhas nas mecânicas do jogo tiveram um grande destaque nos reviews iniciais, mesmo que estas sejam majoritariamente positivas.

Considerando Diablo IV como um título único, ele apresenta uma vasta coleção de builds, uma progressão bastante natural entre as dificuldades do jogo, gráficos e efeitos chamativos e uma história degraus acima do título anterior.  Porém, esse é o problema com franquias gigantes no mundo dos jogos, uma vez que, por mais que DIV seja um bom título, sempre será comparado com a grandiosidade dos mesmos títulos na franquia e, talvez, não consiga viver o hype que a fanbase depositou ao longo das décadas de jogo.

Podemos destacar pontos positivos como a enorme variedade de inimigos, além do design mais cuidadoso e detalhado destes. Comparado aos seus irmãos, Diablo IV se mantém como um jogo mais estratégico, uma vez que o jogo diversas vezes força o jogador a desviar de habilidades de inimigos, se adaptar a tendências de bosses (e minibosses) e cuidadosamente manejar itens consumíveis. Um dos aspectos ruins dos primeiros dois títulos da série é que muitas vezes, batalhas se resumiam a quem fazia os “maiores números” (se referindo a quantidade de pontos de vida que inimigos perdiam pelos seus ataques).

Além disso, os desenvolvedores se preocuparam em replicar os pontos que tornaram Diablo III um sucesso tão grande de vendas. O “hack n slash” do jogo e a sensação de se tornar uma metralhadora de skills e ataques são tão presentes quanto no título anterior, além de ambos os jogos apresentarem mecânicas de itens e habilidades serem mais simples e acessível a jogadores novos.

Os erros principais

Dentre outras falhas, o grande problema de Diablo IV vem na sua maneira de balanceamento do jogo. Todas as áreas do mundo aberto, assim como missões, inimigos e itens adquiridos sempre estão alinhados com o nível atual do seu personagem, tornando a experiência nas dificuldades mais baixas (que são as únicas disponíveis antes de completar a campanha do jogo) bastante monótona e pouco desafiadora, sem um senso de progresso. 

Muitos RPGs de mundo aberto possibilitam que o player perambule pelo jogo em áreas claramente muito avançadas para o nível atual, porém, grande parte do senso de progressão desses jogos vem de obter habilidades e recursos mais fortes para a conquista dessas áreas, validando toda a experiência que o jogador teve no começo do jogo. Um ótimo exemplo disso é no The Legend of Zelda™: Breath of the Wild, onde todas as áreas do jogo, inclusive o boss final, estão disponíveis assim que o jogador assume o controle de Link, mesmo que seja impossível terminar o tão rapidamente.

A sensação de ser massacrado em áreas do late game servem como motivação para o jogador explorar e absorver mais do mundo que o game propõe. Intencionalmente, desenvolvedores de jogos projetam seus universos respeitando uma “ordem natural”, onde o jogador, além de obter melhorias no seu equipamento e novas habilidades, se familiariza com as mecânicas do jogo, tornando-se mais experiente e preparado para enfrentar os desafios finais do universo e que está inserido. Infelizmente, Diablo IV e seu sistema de progressão de acordo com o nível limitam a experiência do jogo, não sendo possível diferenciar pontos marcantes e desafiadores do jogo das áreas iniciais.

Outro grande erro da Blizzard  foi na escolha de como gerenciar as dificuldades do jogo.. O sistema de desbloquear dificuldades superiores após o término de parte do jogo existe desde o começo da franquia, porém os jogos anteriores contavam com diversos aumentos na dificuldade ao longo da primeira campanha, mantendo o “tutorial” do jogo (no caso do IV, as primeiras 30 horas necessárias para terminar a campanha e atingir o nível de personagem 50) menos tedioso. Posso afirmar que, nas poucas vezes que morri durante as 30 primeiras horas de jogatina, todas foram causadas por “controle de grupo” de inimigos, onde o seu personagem é incapacitado de se mover devido a habilidades soltadas contra você. Nesse aspecto, Diablo IV falha em se manter divertido nas primeiras horas.

Afinal, vale a pena jogar Diablo IV?

Apesar dos últimos parágrafos serem um grande suspiro de tristeza, ainda sim recomendamos que você ao menos teste o jogo, especialmente se já tem familiaridade com a franquia ou gosta de ARPGs. É impossível que um produto venha sem alguma falha e, por mais que a comunidade tenha passado por alguns anos turbulentos com Diablo III, pode-se afirmar que o resultado do novo título da Blizzard foi bastante aceito e provavelmente se consolidará como um grande jogo, ainda mais quando pensamos no grande suporte que a empresa irá prover ao jogo ao longo do seu ciclo de vida. E aí, pronto para adentrar as profuzendas do inferno?

 

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