Entrevista com José Guilherme Zago, professor de História
“Esse aluno não faz nada de bom, ele passa o dia inteiro jogando”: quem nunca ouviu esse tipo de frase da boca daqueles que pouco sabem sobre o universo dos jogos e esportes eletrônicos?
Por muito tempo, os games foram tidos como inimigos do bom desempenho escolar. Essa suposta concorrência do maravilhoso mundo digital, dos games e gadgets, no entanto, levaram ao desenvolvimento de novas possibilidades pedagógicas ao se utilizar dos games como aliados ao processo de aprendizagem. Existem dois caminhos possíveis: uma, é o simples uso de análise de jogos com um viés culturalista, de interpretação de uma sociedade. Por exemplo, já imaginou aprender as relações geopolíticas dos EUA utilizando a concepção de terroristas e contraterroristas dentro dos mapas disponíveis no Counter Strike? E aprender inglês jogando Among Us? Tudo isso é possível, a depender da criatividade do professor.
A outra alternativa é o conceito de gamificação na sala de aula. Segundo pesquisas realizadas pela Universidade de Bloomsburg, a gamificação consistiria no uso das mecânicas baseadas em jogos, da sua estética e lógica para engajar as pessoas, promover a aprendizagem e resolver problemas em contextos que não são de jogos. Uma outra pesquisa da Universidade do Texas indicou que a gamificação no ambiente escolar produz efeitos significativos de motivação e melhoria de processos cognitivos, como a memória de curto prazo.
Hoje entrevistamos o José Guilherme Zago, professor de História da rede estadual e municipal em São Paulo, adepto ao uso pontual de jogos para ensinar e atrair a atenção dos alunos.
Q: Quais jogos você já usou em aula?
A: Já quis ensinar o que é “burocracia”, e aí usei um jogo chamado Papers Please, em que você é um funcionário de uma fronteira e você trabalha aceitando ou recusando pessoas, e o objetivo do jogo é se envolver com a política (você pode receber suborno, por exemplo). Tem o Valiant Hearts, que é um jogo sobre a Primeira Guerra Mundial. Ali tem a questão do recrutamento, patriotismo… tudo isso prende a atenção dos alunos, e facilita o entendimento de conceitos mais abstratos. Possivelmente alguns vão se interessar para jogar, ver e se entreter. Tem o Pharaoh, que era um jogo de construir cidade, tipo Sim City, mas se passa no Egito Antigo.
Você consegue se aproximar do mundo dos alunos e consegue criar uma dinâmica. Já usei várias vezes o Assassin’s Creed pra mostrar o Egito Antigo, Revolução Industrial e principalmente Florença. Eles inclusive produziram uma parte do jogo educativa, para professores, que é uma visita à Grécia Antiga. Você não tem muito filme sobre Atenas Antiga, então a reconstituição de Atenas feita pelo jogo facilita muito o ensino. Da mesma forma, já mostrei como era um Gulag soviético pelo Call of Duty.
Q: Quais as outras formas de trabalhar os games?
A: Também dá para trabalhar o jogo como produto: porque o COD faz sucesso? Porque o FIFA não tem jogadores brasileiros? E aí você ensina coisas do presente, analisando o contexto de criação desses jogos.
O GTA, principalmente o San Andreas, faz uma sociologia dos EUA. Daí você consegue introduzir assuntos dos EUA de uma forma simples, e os alunos gostam. Quando você pega um mapa do GTA e mostra que é uma alegoria da Califórnia, você vai mostrando os problemas sociais. Por que existem guerras de gangues nos EUA? Porque tem uma forte questão com o tráfico de drogas. Quem é o inimigo? É o policial corrupto. O GTA 5, a mesma coisa. Tem-se o problema do uso de drogas, que é absurdamente comum nos EUA. Se o jogo fala de violência, dá pra falar de porque o jogo retrata os EUA dessa forma. Fora que todo mundo conhece o GTA, então alguns jogos de franquia são mais fáceis para atrair a atenção dos alunos.
Tem o Red Dead Redemption, que é uma incursão no Velho Oeste. Dá pra aprofundar mais, mas tem que ter calma. Os jogos não são neutros, e o Red Dead Redemption tem toda uma representação da expansão ao Oeste, e conta uma história do que seria a América Latina. Então, é legal questionar que história que o jogo está contando. Alguns jogos querem ensinar e passar alguma mensagem, mesmo que você não se toque . No Call of Duty, dá pra questionar porque os inimigos são geralmente russos. O Counter Strike também é um caso típico, de se olhar quem são os terroristas e contraterroristas.
Q: Quais dicas você tem para aqueles que se interessarem em utilizar os games na sala de aula?
A: Na França, já vi professores usando Battlefield 1 na aula. Eu acho complicado usar o jogo como se aquilo fosse a guerra. Mas é o mesmo cuidado que a gente toma quando usamos um filme em sala de aula.
Também acho importante desconstruir alguns mitos, por exemplo o mito do “nativo digital”. Existe uma suposição de que como a nova geração tem celular e tablet desde pequenos, isso as tornaria letradas no mundo digital. Mas isso não corresponde à realidade. As crianças e adolescentes usam o celular para redes sociais: para chegar em coisas como robótica, gamificação, programação e produção autoral dos alunos, tem uma grande carga para ser ensinada. Por isso, não pode existir o pressuposto do letramento digital.
Também não se deve cair no conto da tecnologia, de que só jogo e gamificação vai fazer a educação melhorar. A educação é muito tradicional. Vou fazer um paralelo com a música: a música evoluiu muito, mas o violão não foi substituído pela guitarra elétrica. Algumas coisas da educação não podem ser superadas, mas você pode criar uma orquestra. A parte analógica, do acompanhamento, deve ser mantida junto com as novas propostas de gamificação e uso de jogos. É um instrumento que não é um remedinho mágico para solucionar a educação. Mas é claro que é uma ferramenta que pode revolucionar determinadas matérias.