Começaremos esse texto com um spoiler: não, mulheres não possuem menor interesse em jogar. Mas por que mulheres continuam sendo minoria no cenário competitivo? E por que alguns jogos possuem uma predominância de homens – como é o caso do Counter Strike, Rainbow 6, e LOL? É sobre esses questionamentos que buscaremos esclarecer hoje, com o objetivo de contribuir para a formação de uma comunidade cada vez mais inclusiva e menos tóxica.
1.Por que mulheres predominam como jogadoras casuais de mobile?
Reprodução: PGB 2021
Segundo um levantamento realizado pela Pesquisa Game Brasil em 2021, cerca de 51% do público total de gamers é constituído por mulheres – no entanto, as mulheres predominam em jogos de smartphone, enquanto que homens ocupam a maior parte dos jogos de console e PC.
Esses dados provam que quando uma garota possui um dispositivo na mão, como um celular, homens e mulheres gostam de jogar igualmente. Mas porque a predominância das mulheres nos smartphones? Isso se justifica por uma questão social: às garotas, quase nunca é oferecido um videogame ou um PC gamer na infância e adolescência. Já o smartphone é um dispositivo mais democrático quando falamos em gênero, uma vez que é uma ferramenta utilizada para outros fins – tirar fotos, ouvir música, se comunicar – não apenas jogar.
E se socialmente fosse mais aceito incentivar que meninas joguem junto com os meninos, ao invés de incentivar que as meninas fiquem com suas bonecas? Talvez os dados da PGB fossem diferentes nesse caso.
2. Como os incentivos na infância determinam a desigualdade de gênero nos eSports?
O nível técnico da maioria dos homens que jogam profissionalmente é, em geral, superior ao das mulheres. Isso não significa que biologicamente os homens sejam mais aptos aos eSports, mas é uma consequência da falta de incentivo para que meninas joguem – por exemplo, jogos de FPS – desde a infância.
E o que isso interfere na qualidade de jogo? Primeiramente, se poucas são incentivadas a jogar na infância, são poucas que vão chegar ao nível profissional. Nesse sentido, o mundo dos players masculinos se torna muito mais competitivo devido à grande quantidade de jogadores disputando espaço no cenário profissional.
Em segundo lugar, temos um aspecto mais complexo: as brincadeiras que são tidas como de “meninos” pela sociedade – como jogar bola ou jogos de computador, principalmente FPS – estimulam o desenvolvimento de uma noção espacial. Diversos estudos científicos demonstraram que quanto mais cedo a criança é estimulada a desenvolver a capacidade espacial, maiores as chances de virar um adulto com maior aptidão para as ciências exatas e moleculares. E como isso afeta em jogo? Sabe-se que para se tornar um jogador completo é necessário reflexo, memória muscular, coordenação motora e, sobretudo, a questão espacial: é preciso se atentar ao radar, ao jogo, falar com o time ao mesmo tempo em que todas as outras coordenações devem estar afiadas
3. Desde quando videogame é pra menino?
Antes da década de 1980, os videogames eram para todos. O preconceito específico de que videogame não era para menina só começou a se desenvolver após a década de 80, principalmente por ações de marketing dessa indústria.
Propaganda da Atari mostra uma família inteira – mãe, pai, filho e filha – se divertindo com o videogame (Reprodução: Propagandas Históricas)
Após enfrentar uma saturação de jogos repetitivos, a estratégia da indústria de games para se reinventar foi tornar o videogame um brinquedo. Segundo Bia Coutinho em vídeo produzido pela MGG Brasil, a Nintendo realizou campeonatos para delimitar o seu público alvo e, percebendo que muitos meninos participavam desses torneios, direcionaram o marketing para o público masculino.
Propaganda da Nintendo sobre o Game Boy, com conotação sexista nos anos 2000 (Reprodução: Reddit)
Além do fator “marketing”, existem as concepções sociais do que é adequado para um menino e para uma menina. A partir dos 12 anos, quando a menina se torna pré-adolescente, enfrentam-se ansiedades sociais: “Quando você se torna mocinha, tudo te diz: por que vou jogar isso? por que vou trabalhar com isso?”, explica Bárbara Gutierrez no mesmo vídeo da MGG Brasil.
4. De que forma a comunidade pode contribuir para melhorar a desigualdade de gênero nos games e eSports?
É necessário que as desenvolvedoras tragam mulheres para o casting e organizem campeonatos femininos. Mesmo que todas as ligas profissionais sejam mistas, sabemos que as mulheres não chegam lá. “A hora que a mulher abre o mic na lobby elas já desistem; para quê você vai entrar num universo de lazer, se você vai passar por tudo isso?” explica Nyvi Estaphan, apresentadora gamer presente no cenário desde 2013, em seu vídeo publicado no Instagram. Dessa forma, é preciso primeiro criar um ambiente seguro entre mulheres – como nos campeonatos femininos -, permitir que as jogadoras alcancem um destaque e, assim, tornar a comunidade aos poucos menos desigual e mais saudável.
Além das desenvolvedoras e a própria comunidade incentivarem a inclusão das meninas e mulheres, é muito importante que empresas da indústria de games também abracem a causa. “Cada vez mais a comunidade de eSport não tem um gênero, não tem uma cor, não tem uma classe social. Cada vez mais essa comunidade está crescendo, e as marcas que estiverem atentas a isso tendem a se sobressair”, complementa Nyvi no mesmo vídeo.
Ver mulheres jogando cria a representatividade necessária para mostrar às meninas que videogame e eSports não são apenas para garotos. Se mais meninas jogarem desde cedo junto com os meninos, maiores as chances do cenário competitivo feminino se equiparar ao masculino – e então poderemos ter, de fato, ligas mistas competitivas.