eSports x Sustentabilidade: como as grandes desenvolvedoras e organizações de jogos eletrônicos poderiam atuar em defesa pelas questões socioambientais

eSports x Sustentabilidade: como as grandes desenvolvedoras e organizações de jogos eletrônicos poderiam atuar em defesa pelas questões socioambientais

Por Iana Maciel


Nos últimos dias, vi um anúncio provocativo sobre a relação entre os e-sports e as emissões de gás carbônico, e me vi pensando sobre a existência de ações de sustentabilidade envolvendo grandes desenvolvedoras – especialmente agora, após o crescimento exponencial da indústria dos e-sports nos últimos anos. Pesquisei isso à fundo, e descobri, com tristeza, que pouco se fala sobre sustentabilidade no mundo dos esportes eletrônicos, justamente porque pouco se tem indícios de iniciativas como essas. 


Práticas sustentáveis são louváveis em todos os segmentos do mercado, mas, no esportivo, é costume que elas deixem a desejar. Seja porque as marcas e organizações esportivas tenham a premissa de que esporte é saúde – se valham dessa bandeira do healthy para pouco entregar em medidas preocupadas com o meio ambiente –, seja porque, sem querer, outras pautas (como diversidade de gênero e luta antirracista), acabem tomando mais foco, a verdade é que a preocupação com o planeta acaba, no geral, deixada de lado.


Neste texto, traremos algumas evidências sobre como grandes empresas e equipes poderiam ter uma atuação mais efetiva no cenário gamer em defesa pelas preocupações com o meio ambiente.




First things first: o "Playing For The Planet" das grandes desenvolvedoras e a "Go Green Initiative" da FlyQuest


Vamos voltar para 2019. Em setembro daquele ano, uma bandeira batizada de “Playing for the Planet Alliance” incentivou a mobilização das maiores desenvolvedoras de games do planeta a traçarem metas positivas para o meio ambiente. Dentre as envolvidas, estavam a Sony Interactive Entertainment, a Microsoft, a Google Stadia, a Supercell, entre outras.


Relatos indicam que foi uma iniciativa voluntária das fabricantes, outrora abordada em março de 2019 no “Playing For the Planet. How Video Games Can Deliver For People and the Environment” (LINK), em conjunto com a ONU Brasil. Dentre os compromissos assumidos por 21 empresas, estavam: redução de 30 milhões de toneladas de emissões de CO2 até 2030, a promessa de milhões de árvores a serem plantadas, novas “cutucadas verdes” no design de jogos, e melhorias no gerenciamento de energia, na produção de embalagens e na reciclagem de dispositivos.


Ainda nesse mesmo ano, a FlyQuest, uma equipe estadunidense de LoL que passava por um declínio midiático, encontrou uma solução para retornar às trends e resolver seus problemas financeiros: a Go Green Initiative. Foi a primeira vez que uma organização significativa do mundo gamer assumiu responsabilidade e declarou publicamente que a indústria poderia, sim, fazer mais para ajudar no cuidado com o planeta.


O primeiro passo da FlyQuest foi institucionalizar o TreeQuest: a organização plantava uma árvore a cada vez que certos eventos aconteciam durante as partidas da equipe no League of Legends Championship Series. Isso fez com que o público – torcedores e não torcedores – esperasse, com certa expectativa, o que os campeões da sustentabilidade fariam a seguir. "Nós íamos fisicamente plantar essas árvores em algum lugar. Levávamos fãs, fazíamos eventos, tornávamos tudo divertido…", explicou Michael Choi, o atual CEO. A campanha, além de engajar a base de fãs e outros espectadores do LCS, gerou o plantio de mais de 10 mil novas árvores.


A pandemia do Covid-19 atrapalhou e/ou interrompeu alguns desses planos de desenvolvimento e adaptabilidade sustentável, e nós entenderemos, a seguir, de que forma tudo foi trabalhado.


Mas, antes…



Quão "verdes" são os e-sports?


Os e-sports são considerados relativamente sustentáveis, quando colocados em comparação com esportes tradicionais. É estimado que a Fórmula 1 libere 156 toneladas de CO2 por ano. Enquanto isso, a FIFA prevê que a Copa do Mundo de 2022, no Qatar, sozinha, produzirá 3,6 milhões de toneladas de gás carbônico.


No entanto, é claro que os jogos eletrônicos não são perfeitos nesse mesmo sentido. Estimativas da BBC mostram que o impacto do mundo digital, incluindo dispositivos, servidores e infraestrutura, somam 3,7% nas emissões globais. Uma empresa estadunidense de energia reportou que a comunidade gamer do país utilizou 34 TWh de eletricidade no ano de 2020; uma produção desse tamanho emite a mesma quantidade de dióxido de carbono que 5 milhões de carros em circulação. Da mesma forma, o portal Esports Insider calculou, de forma grosseira e utilizando dados disponíveis publicamente, que um único time de CS:GO belga acumulou 100 toneladas de emissões de CO2, entre voos, manutenção de instalações e outras viagens – isso só neste ano. 


Existem, sobretudo, os poluentes que envolvem o merchandising dos times profissionais. O poliéster – material normalmente utilizado na camisetas dos uniformes – é não-biodegradável e responsável por milhões de toneladas de poluição de microplásticos a cada ano. Isso, sem falar dos apoiadores da indústria, que muitas vezes são empresas multinacionais gigantes pouco preocupadas com questões ecológicas, e que escolhem financiar os e-sports justamente para melhorar sua imagem.


Sendo assim, ressalta-se o caráter dicotômico no entendimento dos games como uma categoria de esportes e a sua relação com as boas práticas ambientais. Por um lado, o ecossistema do e-sports apresenta uma parcela muito pequena da geração de resíduos e gases poluentes no planeta. Ainda assim, é evidente que se pode fazer muito mais para reduzir esse impacto – que, apesar de singelo ao se considerar o todo, ainda é bastante simbólico para o planeta.



Na prática: o que foi prometido no Playing for the Planet


Conforme divulgado pelo manifesto do Playing For the Planet (documentado neste artigo), o compromisso inclui, entre outras ações:


Por parte da Sony: a utilização de tecnologia de eficiência energética, além de introduzir o modo de suspensão de baixa energia na próxima geração do PlayStation, avaliar sua pegada de carbono e, o mais importante, utilizar sua aderência para educar e inspirar a comunidade de jogadores a agir sobre as mudanças climáticas.


A Microsoft segue caminho semelhante à Sony, estabelecendo metas de redução de emissões da cadeia de suprimentos em 30% até 2030 – incluindo o fim da vida útil de dispositivos – e certificar 825 mil consoles Xbox como neutros em carbono em um programa piloto. A parte instrutiva prevê envolver jogadores em esforços de sustentabilidade na vida real, por meio da iniciativa Minecraft: "Construa um Mundo Melhor".


O Wild Works, do Animal Jam, já tem em seu DNA elementos bem legais sobre integração de jogos com meio ambiente. No compromisso, a Wild integrará elementos de restauração nos jogos, se concentrando em restaurar algumas das florestas do mundo com as principais iniciativas de plantio de árvores.


A Ubisoft desenvolverá temas ecológicos no jogo e buscará materiais de fábricas ecologicamente corretas, e a Sports Interactive eliminará 20 toneladas de embalagens, mudando de plástico para uma alternativa reciclada para todos os futuros lançamentos do Football Manager. 


E a Twitch se comprometeu a utilizar sua plataforma para espalhar esta mensagem para a comunidade global de jogos!




As "missões verdes" da FlyQuest


Além da TreeQuest, campanha de lançamento da iniciativa Go Green, a FlyQuest, com alguma dificuldade, conseguiu superar alguns obstáculos presenciais da nova proposta da organização em incentivar mobilizações de seus fãs voltadas à ecologia.


Em junho de 2020, eles introduziram uma ação de verão denominada SeaQuest, aproveitando o Summer Split da LCS. Dessa vez, as apostas sobre as vitórias, as kills, as matanças de Dragões do Oceano e outras ações realizadas durante os jogos da equipe gerariam doações em dinheiro para o Coral Reef Alliance. Além disso, para conscientizar sobre as tartarugas marinhas, os players da FlyQuest participaram de alguns eventos envolvendo ativações nas praias e vídeos educacionais.


Já no final de 2020, a FlyQuest juntou as duas iniciativas em uma só na sua campanha para o Mundial: a WorldQuest. Na primeira vez participando do League of Legends World Championship, a organização promoveu tanto doações voltadas para o plantio de árvores, quanto para a manutenção dos oceanos.


As "missões" não pararam por aí: mantendo sua base engajada e seu crescimento moral positivo para o público, a FlyQuest lançou mais algumas iniciativas para a sustentabilidade ao longo de 2021. BeeQuest (março/2021), SunnyQuest (maio/2021) e SunsetQuest (agosto/2021), trouxeram, como destino para as doações, entidades que visam proteger abelhas e promover o aumento da energia solar, respectivamente.


De acordo com Michael Choi, como um time de e-sports menor, a FlyQuest acredita que as emissões de CO2 promovidas por eles não são massivas, e que a sua maneira de contribuir – criando comoção e conscientização com a base de fãs –, é o que faz sentido para todos que estão envolvidos no cenário macro da equipe. Eles também clamam seu merchandising como ecologicamente correta, uma vez que se comprometeram a utilizar 25% de material reciclado em futuros artigos, ademais de possuírem uma linha "básica" sustentável, que permite que fãs consumam sem prejudicar o planeta.



As promessas se perderam na pandemia?


Não.


Em 2020, o Playing for the Planet lançou o The Green Game Jam – uma competição entre estúdios de e-games para adicionar ações em jogos já existentes, a fim de incentivar medidas de combate às emissões de carbono. Dessa forma, mobile e console game studios ao redor do mundo embarcaram numa jornada para capturar a imaginação de seu público através de novos conteúdos em forma de ativações "verdes", ou mesmo mudanças de clima in-game, sempre relacionando-as com temáticas específicas envolvendo o aquecimento global. 


“A indústria de videogames tem a capacidade de envolver, inspirar e cativar a imaginação de bilhões de pessoas em todo o mundo. Isso a torna uma parceira extremamente importante para lidar com a emergência climática”, afirmou Inger Andersen, Diretora Executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). 


O Jam foi um sucesso – tanto é que se repetiu em 2021 e em 2022. Neste ano, com sua edição alcançando cerca de 50 estúdios participantes, quase dobrou seu tamanho para a edição de 2021. O tema do ano foi Food, Forests and our Future ("Comida, Florestas e Nosso Futuro", em tradução livre). Dessa forma, os cinquenta candidatos se viram frente ao desafio de desenvolver novas estratégias de storytelling, levando a bandeira da sustentabilidade.


Mas a revolução verde promovida pelos fãs ainda é um caminho incerto. Pelo caso da FlyQuest, onde o contato entre empresa e fã é mais palpável (e acontece, justamente, através do time ativo no cenário competitivo), ainda pode-se dizer que as ações em prol da sustentabilidade se mantiveram perenes. Isso porque uma boa parcela de espectadores de LoL se converteu à torcida da FlyQuest por conta das iniciativas Go Green. Onde há mais fãs, há mais lucro, então as campanhas e "missões", agora que são institucionalizadas como parte da identidade da organização, não podem parar. 


Outras equipes competitivas, como a Betclic Apogee e a Ninjas in Pyjamas, se inspiraram em reformar algumas de suas condutas, para surfar na onda de reformas sustentáveis e crescer na estima do público. Porém, a pergunta mais importante é essa: quanto tempo levará para que os fãs comecem a demandar mais – para além de ações pontuais de doações para boas causas e de campanhas de conscientização ecológica?



E, por fim: cadê o Brasil?



O Brasil é uma potência nos e-sports. Com títulos internacionais e sede de grandes eventos, o país avança e figura no topo a despeito das barreiras econômicas. De acordo com a consultoria americana NewZoo, já antes da pandemia, o Brasil tinha a terceira maior audiência cativa de esportes eletrônicos do mundo, com cerca de 20 milhões de espectadores e fãs.


Já em 2021, o número subiu para quase 30 milhões – 12,6 milhões de entusiastas, e 15,3 milhões de espectadores ocasionais, segundo dados da Statista. Com títulos internacionais recentes de CS:GO, Magic, Rainbow Six, FIFA, PES, Clash Royale, CrossFire, Free Fire, entre outros, o Brasil ainda se alavanca no pódio de um dos principais países em apostas no ramo do e-sports.


Tudo isso para ressaltar a importância dos jogos eletrônicos na cultura brasileira, país que, até hoje, não performou nenhuma ação de sustentabilidade significativa através de organizações de e-sports.


Assumir a redução energética, os cuidados nas linhas de produção, as medidas materiais na fabricação e no consumo, e o incentivo às boas práticas em prol do meio ambiente são missões audaciosas e importantes. Como gamers amadores ou pro players, devemos cobrar as grandes ligas por mais participação e responsabilização de posicionamentos e iniciativas dentro dessa pauta!

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